Por Adriano de Oliveira
Minha vida. Nasci em uma casa simples com telhado de telhas grandes feitas
de barro, à mão, com paredes caiadas, de portas largas, cozinha grande com um
fogão a lenha onde se via um grande bule com coador de pano e panelas de ferro,
o estalar da madeira em brasa e cheiro de café caboclo invadiam a casa,
penduradas no alto, linguiças e salames se defumavam, potes com pimentas, bode,
dedo de moça, biquinho, coloriam o balcão, jurubeba não poderia faltar, o
cheiro do bolo de fubá e do pão de queijo, o queijo fresco, o leite puro, os
potes de doces, as frutas cristalizadas cobertas com pequenos diamantes em
forma de açúcar, prateleiras guardavam objetos do dia a dia, um ferro de passar
roupas que usava brasas para aquecê-lo, uma lamparina à óleo que iluminava as
noites de leitura onde reunidos em volta do meu avô, ouvíamos histórias lidas e
inventadas, nos quartos tínhamos colchões de palha e camas de pés fortes,
janelas grandes que traziam o sol e a chuva, no criado a moringa preservava a
água sempre fresca, a sala era muito grande e tinha cadeiras de palhas
espalhadas, um tipo de sofá feito de angico preto com almofadas verdes, na
parede um retrato de casamento e o velho relógio, uma mesa acomodava toda a
família o piso era feito de cimento vermelho, onde minha avó passava horas com
um
a enceradeira manual, de ferro pesado com um feltro, que ela ia passando com
a força peculiar das mulheres únicas, um móvel antigo guardava os copos,
pratos, e peças de louças, algumas heranças de minha bisavó, basca como ela
gostava de ser chamada, nunca de espanhola, uma mulher de bigodes; na varanda
tinha um banco de madeira e uma parreira de uva que vinha do quintal e invadia
tudo com suas cores e perfumes, uma visão da rua sem muros trazia os amigos e
passantes que cordialmente tiravam seus chapéus numa saudação costumeira, ao
lado do portão baixo o Primo, nosso cachorro, comia uma manga que acabara de
cair do pé, sim ele gostava de manga, a mangueira frondosa e grande dava frutos
deliciosos, manga Bourbon, mais ao fundo do quintal havia um cercado onde os
porcos se enfiavam na lama e ficavam deitados à sombra das árvores, as galinhas
ciscavam o chão e o galo índio de porte altivo anunciava com seu canto os
limites de seu domínio, o balanço feito de cordas era nosso lugar de diversão e
a casinha feita pelo meu avô era onde as minhas irmãs brincavam de ser
mulheres, o quintal grande possibilitava todas as brincadeiras de criança, um
pé de árvore era especial, era um chorão que com seus galhos envergados e
folhas finas parecia o picho papão de nossos sonhos de medo, a jabuticabeira
parecia ter troncos negros de tanto fruto, a flor do maracujá perfumava o ar e
só se calava a noite quando a dama, dona dela, exalava seu perfume feroz
chegando às casas vizinhas, no tanque sabão de banha e os arames onde minha avó
quarava as roupas brancas, o som do vento só era silenciado pelo som da sanfona
que meu vozinho tocava para louvar a Deus, metade do seu terreno tinha sido
doado à construção da capela onde ele banhava de luz os homens de boa vontade,
a igreja era azul e branca, na parede “ Cristã no Brasil”, dentro bancos de
madeira, de um lado os homens, do outro as mulheres, eles de terno, gravata e
barba feita, elas de vestido e véu, minha avó sempre chamava a atenção das
meninas, “ o véu é para proteger dos pecados”, a rua era larga, de chão batido,
a poeira vermelha desafiava as mocinhas bem vestidas, a estrada boiadeira
passava logo ali, perto do Bernadão, na praça onde tomávamos sorvetes e
comiamos quebra-queixo, descendo pela estrada de chão chegávamos ao Rio Grande,
do lado direito tinha a cachoeira do marimbondo, divisa de estado, do lado de
São Paulo tinha o bar redondo, onde os viajantes comiam pintados, jaús,
curimbatás e outros peixes... O por do sol pinta o céu de vermelho, na
imensidão infinita das planícies... minha tenra infância, feita de fragmentos
de lembranças, todas doces, todas verdadeiras, todas dignas de serem vividas
novamente, mesmo que apenas nas páginas que escrevo.
Foto: Renan Yoshino |
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